18 de janeiro de 2011

Memórias - Um conto Gangrel

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A noite está escura, sem lu
a, naquela parte do mundo, poucas coisas haviam mudado. A terra que séculos antes formara o Império das Quatro Direções, em alguns pontos havia progredido pouco. Muito pouco.

Uma mulher caminhando sozinha pelo campo, não era algo auspicioso, o modo humano de pensar também não havia mudado muito no decorrer, dos tempos, porem aquela não era uma mulher comum. Se bem que não poderia ser considerado um “campo” propriamente dito, aquele vulto na escuridão tinha um objetivo bem claro, e definido. Quando chegou próximo a encosta de uma das incontáveis montanhas, pôs a mão na pedra com reverência, e passou com cuidado pela superfície, até encontrar uma linha fina, praticamente imperceptível, olhos humanos não teriam percebido, e talvez poucos olhos vampiricos também.
Mas Alice sabia muito bem o que estava procurando, e sabia exatamente como havia deixado aquele lugar décadas antes. Empurrou a pedra usando a força do sangue Gangrel que carregava, daquela vez tinha sido mais fácil..
. Supunha que ficaria cada vez mais fácil mover aquele bloco de pedra, no inicio só conseguira com auxilio de seu mentor, depois precisara da ajuda de Daniela, e por fim, conseguia fazer sozinha, não sem esforço é verdade, mas conseguia.

A entrada da caverna parecia uma boca escancarada, ameaçadora, os olhos dela se acenderam vermelhos, e sua percepção se expandiu, farejou o ar em busca de algum sinal de que aquele lugar tinha sido violado, mas não havia nada, alem do cheiro das suas lembranças. Caminhou por entre os baús ordeiramente alinhados, passou sua mão pela tampa, sabia o que cada um guardava, suas memórias, fragmentos de histórias que não queria perder. Foi até o fim da caverna, onde ficava a pedra da Huaca de onde seu ancestral morou, por anos a fio, até que ela estivesse pronta. Tirou uma garrafa esverdeada de dentro da pesada mochila que carregava e a abriu.
Derramou a cerveja em cima da pedra, com uma careta, aquilo não era aceitável, mas serviria. Contornou a pedra e encontrou dois baús um pouco maiores que os outros, encostados no fundo da gruta, ambos estava fechados com correntes e cadeados... Ela raciocinou sobre quão prudente seria manter tudo aquilo. Um dia aquelas coisas poderiam ser utilizadas contra ela.
Você deveria voltar enquanto pode, ele ainda pode relevar suas ações precipitadas.” O espírito voltava àque
le assunto vez ou outra, talvez melhor do que ninguém ele poderia dizer que Alice não estava propriamente feliz com o fizera, mas a resposta a discussão era sempre a mesma.
Eu tenho ombros fortes posso suportar fardos até mais pesados que esse, e duvido que seja o caso.” A discussão nunca avançava alem daquela frase, não haveria nada no mundo capaz de demovê-la de seu intuito, fosse uma criatura normal, sobrenatural ou coisa que valha. Sua protegida demorava a tomar determinadas decisões, porem uma vez tomadas, era possível empurrá-la por quilômetros a fio, até se perceber que ela não se movera um milímetro sequer.

A vampira se aproximou do baú mais antigo, aquele era o que ela dedicava às suas memórias mais queridas e preciosas, coisas sem as quais sua existência seria um tormento. Tirou uma chave pesada do bolso e abriu o cadeado de um dos baús com um estalido seco que chegou a machucar seus ouvidos. A tampa rangeu em protesto por ser retirada de sua posição natural, dentro do bau, quase vazio, havia pouca coisa: a primeira boneca de Alejandra, um pião de Carlos, um desenho de Ramon, e assim sucessivamente, uma lembrança pequena de cada um de seus filhos, o primeiro dente de Daniela a cair... Seu vestido de noiva, guardado em uma embalagem plástica a vácuo.
Sorriu ao passar a mão por cada uma daquelas coisas, podia quase ouvir as risadas de suas crianças, o olhar de indignação de sua bisneta quando teve o dente arrancado. Lembrou-se de sua expressão de espanto quando sua mãe trouxera o vestido para que ela experimentasse, quando tinha apenas treze anos de idade. Lembranças queridas que valiam a pena manter. Levara cerca de 20 anos para não se lamentar por se
r vampira, o tempo era realmente senhor de tudo. E aquelas coisas lhe davam lembranças preciosas, mas que pertencia a outra vida, que não era mais sua.

Com um suspiro forçado, colocou a mochila de lado e a abriu: tirou de dentro um vestido, o que Davi Falcão lhe dera e outro que havia sido presente de Amélia Nolleto. Colocou-os com cuidado dentro do baú, um envelope com pétalas de rosas secas, e a foto de quando ainda era humana, tirada junto com a família em um dia de Natal... Sorriu por dentro enquanto guardava o envelope junto com seus outros tesouros. Um estojo com um conjunto de colar e brincos que Asriel lhe dera de presente. Parou indecisa segurando uma foto e uma caixinha de veludo azul. A foto havia conseguido com Adam, e a caixinha tinha a aliança que deveria fazer par com que dera de presente, colocou-a em uma corrente e pendurou no pescoço, ninguém nunca a vira usando um anel sequer, e a corrente sendo grande o suficiente, ninguém nunca veria... Respirou fundo, mesmo que não precisasse, decidiu que aquelas duas coisas manteria consigo. Ela precisava lembrar do motivo a qual tinha feito o que fez.

A última coisa que tinha dentro da mochila, era um cacho de cabelo amarrado com uma fita, ela tinha tirado aquilo de Artemis quando ela tomara o porre homérico, onde chegou a abraçar RR. Fazia alguns meses que não pensava na menina vampira... Desde o Gather em Sorocaba, o tempo tinha passado e a dor da perda também, no final, não haviam crianças eternas, no máximo atemporais. Mas as conversas que tivera com ela tinham sido o suficiente para saber que a menina Artemis sempre dizia o que iria fazer, bastava que as pessoas prestassem atenção nas palavras.
“A parte mais engraçada nisso tudo, é o fato de qu
e ela provavelmente era a única que sabia como eu sou.” Alice sempre soubera que não era uma pessoa brilhante, mas sabia que uma cara de sonsa e grandes olhos verdes podem operar verdadeiros milagres em termos de boa vontade, na pior das hipóteses, era colocada de lado como se fosse uma idiota, na melhor conseguiria que alguém fizesse algo por ela. O sorriso que pairava em seus lábios era triste, lembrava-se de Artemis dizendo que provavelmente a pior entre as duas era ela, e não podia deixar de concordar com isso.

Suspirou fundo, fechou o baú com suas lembranças boas. Aquelas que tinham que estar ali para mantê-la funcionando. Presa à chave que abrira o primeiro, havia uma segunda, que abria o segundo baú. Mas aquele ali ela preferia manter trancado. Existiam coisas que deveriam se manter enterradas no passado.

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Um conto de Quilla, Gangrel de Recife
Personagem criada por Renata Nicolodi em Novembro de 2009




"O By Night pra mim é um local feito pra beber, viajar e fazer novas amizades. Ponto".
Renata

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