1 de dezembro de 2010

Uma dança - Um conto Malkaviano


Em Comemoração a 1 ano de Blog


Quase como uma música incansavelmente repetida, às vezes me pergunto se tudo isso é real. Pergunto-me como em uma década pode haver tantas mudanças, como me adaptei tão rápido?! Ganesha, a quem devo minha eternidade, sempre me alertou a cerca das conquistas que poderia obter se dançasse a música certa da forma correta, e do quanto era perigoso sujar as mãos com a política dos anciões. Belos conselhos...

Meus gélidos pés descalços encontram meu mais novo lar, o piso frio de madeira da mansão Jardim de Pedra em Sorocaba/SP. Carrego pelas tiras um velho par de sapatilhas rosa desbotado que balança ao meu caminhar silencioso pelos corredores em direção a longa porta dupla. Ao atravessá-la um largo e clássico salão se revela, minha mente viaja nesse momento até meu antigo lar, onde contemplava do décimo andar minha doce Recife...
... Lá, um portal semelhante me leva à sala de reuniões dos Filhos de Malkv. Recordo- me a primeira vez em que estive ali, foi em uma noite quente de 2007 que conheci meus mais novos irmãos. Afastada observava aqueles onze membros circundando uma velha mesa, falando ao mesmo tempo. Apreciando cada fragmento, vislumbrando novos sabores de transformação da humilhação incômoda ao respeito.

Retorno de meus devaneios. Sento-me na poltrona de canto e como quem respira encaixo suavemente meus dedos, um dia calejados, na ponteira siliconada ao fundo da sapatilha. E em um piscar de olhos sinto os calos de outrora sangrando novamente...
... A voz da minha antiga professora retumba em meus ouvidos para que eu volte à posição. Olho para o lado; fantasmas de outras alunas me aconselham a não continuar. É quando algo dentro de mim não me permite desistir. Ao abrir os olhos já não sou uma aluna, não tenho mais quinze anos.

Cruzo aos tornozelos as fitas de cetim corroídas pelo tempo, um nó simples completa o ritual. Levanto-me e desnecessariamente me alongo. Levo minha cabeça ao joelho, e sentindo o mundo deitado fronte aos meus olhos retorno mais uma vez no tempo...
... Tempo em que os quadros e estátuas conversavam comigo; meus pais me olhavam com um misto de pena e sofrimento, e diversas vezes era privada da companhia de pessoas. Meu comportamento provavelmente causaria algum escândalo para os convidados dos Nolleto. Deitada no chão, sedada e sem forças o mundo também se aquietava de lado, tal como agora. Meus olhos ardiam, mas sempre mirava minhas primeiras sapatilhas, como naquela época um sorriso sincero brota em meus lábios, a fonte de minha vida se desnuda mais uma vez esta noite.

Ao subir a cabeça, os primeiros acordes do piano são embriagantes, seu gosto é irresistível e logo me abre o apetite. Abro um belo sorriso para o pianista que hoje não irá valsar comigo. Hoje ele quer tocar para mim. Gabriel Lawrence Y. Wesson, para uns um grande ancião Malkaviano, para outros o homem mais influente do país, mas para mim; meu Gabriel.

Sua paradoxal frieza e doçura são ainda inteligíveis a mim. Ele não devolve o sorriso abertamente, como sempre, mas seu olhar me convida ao salão. Minhas mãos percorrem todo o contorno das pernas e cintura, meu corpo anuncia que está tudo pronto. Um perfume doce toma minha lembrança...
... O frio adentra a janela da Sociedade Harmonia Lyra em Joinville/SC. Em meu camarim n º 08 o calor percorria dois corpos, mãos firmes puxam a cintura fina da jovem bailarina contra um corpo sem camisa. O amor aquecia nossos corpos e celebrava a noite de gala do maior festival de dança do país. Apesar dos louros, meu maior prêmio era ele. Ainda com as sapatilhas, sentada no balcão, o perfume das flores e o brilhar das medalhas não eram nada se comparados aos toques do forasteiro escocês percorrendo cada centímetro do meu franzino corpo de adolescente. Naquela época as noites não eram tão escuras, minha carne ainda tinha calor e minha inocência não imaginava que meu amante se tratava de um ancião imortal.

O gosto do “Mi” descendo suave pela garganta me traz de volta ao salão. Meus pés quase que incontroláveis se elevam em um perfeito relevé reconhecendo o sabor... É o início de Clair de Lune, música favorita de Lawrence. Enquanto ele a toca, ainda mais perfeito que o próprio Debussy, meu corpo degusta cada nuance das teclas do lindo piano negro de calda. Ainda lentos, os rond de jambes parecem escorrer deliciosamente junto a meus braços que dedilhão o ar sincronizado ao gesso das velhas sapatilhas Capézio temperando meus passos. Ao um vagaroso promenade en pointe posso contemplar os detalhes do salão onde vejo com a nuca levemente inclinada, flores em cima do piano, e recordo-me da rosa vermelha que Arantxa Negra carrega em seus cabelos; assinando sua feminilidade cruel. O chapéu no cabide ao lado da janela me lembra Jan Dvorak ou talvez Thiago Scapelli, se orgulhão tanto da frieza azeda que me pergunto quem na verdade carrega a máscara do controle. Minhas mãos deslizam sob o contorno delicado das minha perna que se eleva en poite a altura da visão e então recordo-me dos cuidados de Da Cunha. Fechando meus olhos posso sentir o cheiro de Anne Sophie guiando meus passos, flutuando comigo em um pás de deux que segue além dos mundos. Ao crescer da música percorro rapidamente o piso com um chainés e ao sentir meus pés sincronizados lembro-me de Ana Paula e de como éramos unidas. Mas assim como os pés se separam dando vez ao próximo passo, a política nos fez caminhar por lugares diferentes dando espaço a outros enredos.

Saboreio lascivamente os solos improvisados que Lawrence encaixa em meio aos acordes, tal qual coexiste em mim a vitae dos loucos e dos artistas. Relações que se encerram em um macio plié ao lembrar o ácido humor de Little Beth ou na explosiva paciência de Lourraine, minhas irmãs mais queridas. No ponto máximo da música, um alto grand jetê me faz abrir os braços em pleno ar sentindo uma liberdade exclusiva e inconscientemente as imagens de Aquilles e Malakias fazem todo sentido de serem lembradas.
Gargalhadas infantis brotam a cada port de brás. Graça e harmonia já são parte de mim, nem mesmo os artistas imortais conseguem me superar, transformei humilhação em respeito e hoje os Filhos de Malkv são um dos pilares de Recife, e as noites como de Joinville se repetem.

Um complicado attiti derrié faz meus pés doerem assim como meu corpo doeu durante as noites duras em que dançar não era mais minha rotina, noites de Harpia, Senescal...Primogena. Os leves fondis escorregam sobre as gotas de sangue no piso; lembrança amarga do treinamento desnecessário ou talvez de um segredo que tende a me perseguir.
O glissé em plié anuncia o fim da performance particular, o pianista me estende a mão em sinal cortês. Caminho suavemente e sento-me ao seu lado dividindo o banquinho de madeira negra. Seus dedos continuam a deslizar as teclas graves da direita e então me arrisco a uma base aguda na esquerda. Seu braço envolve meu ombro como um pai que cuida da filha e então percebo o quanto ele é capaz de ser humano longe dos olhares públicos.

Hoje dancei, não como uma artista, como de costume. Dancei sob meus próprios sonhos realizados, flutuei por entre prestígios e favores. Modificando a história lendo um novo capítulo.
Dancei como uma Filha de Malkav, que transforma a realidade ao seu proveito.

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Um conto de Amélia Nolleto, Malkaviana de Recife

Personagem criada por Maria Ranúzia em Fev de 2008
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" Levanto a bandeira do jogo 4fun em qualquer tipo de RPG e no by Night não seria diferente. Jogo com quem eu quero, na hora que eu quero, do jeito que eu quero. O by Night me trouxe amigos verdadeiros, pessoas que viajam meio pais pra me ver, que me ligam no meio da madrugada. Ahhh enfim, só tenho a agradecer os carinhos, mimos e tudo o que ganho aqui =] "
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